"A minha geração não encontrou na música um lugar que nos garantisse a velhice"

Bela Chicola Cantora e Artísta plástica fala do seu percurso artístico e dos seus novos projectos Foto: Manuel Tomás
É conhecida por ser uma artista multdisciplinar. Como se define?
Acho que me defino mesmo só como artista. Senão vou acabar por pecar, porque não estou a ver mais onde me enquadro. Recentemente, disse que eu sou 3D. Em cada momento da minha vida procuro explorar, aproveitar, porque o agora eu conheço, mas o amanhã eu não sei. Então aproveito a minha vida dessa forma e vou criando. Eu acho que não consigo ver-me parada, fico mais à vontade em movimento, sempre a fazer alguma coisa. Acho que é uma dinâmica muito fixe, como se diz na gíria, porque criar não é algo diário. Eu não sei se acontece só comigo ou acontece com todos os artistas, mas não são todos os dias que a pessoa consegue criar alguma coisa. E essa é a Bela que é artesã, é artista plástica, é cantora. É a Bela mãe, que chora, que também fica triste.
Qual das artes nasceu primeiro?
Foi a música, e a música puxou as outras. Comecei a cantar desde criança mas, como artista profissional, foi em 2001. Em 2004 venço o Festival de Vozes Femininas e dali entro no mercado. Fazia música folclórica e depois percebi que as indumentárias são diferentes. Eu vi a necessidade de procurar roupas que se coadunavam com a música que fazia. Eu tinha dificuldade em encontrar esse tipo de indumentárias. Fui obrigada a começar a criar peças com bolinhas, com papel, até papel higiénico eu usei para fazer vestidos, sacoleiras, sacos plásticos, discos. Fui ao estúdio do DJ Mania, fui buscar muitos discos para poder fazer os meus vestidos. E assim comecei como artesã e já não parei mais, até hoje.
E como entra nas artes plásticas?
Eu até nem sei, acho que essas capacidades foram se desenvolvendo mesmo assim. Porque eu acho que cada um de nós tem esta parte. Desde criança, na escola, a gente já aprende a fazer os desenhos, entretanto fica encubado. Há pessoas que desenvolvem este lado, e outras pessoas que não desenvolvem. Mas eu acredito que cada um de nós tem isso, e eu fui desenvolvendo. Se me pedirem para pintar um quadro de um rosto, eu não vou pintar, porque não fui à escola para aprender as técnicas reais de pintar um quadro fotográfico. Mas eu faço, pinto as coisas que me vêm na alma. Aquilo que as pessoas vêem nos meus quadros são pinturas da alma.
Já realizou uma exposição individual, pensa voltar a fazê-lo?
Por acaso, eu já fiz uma exposição individual, e agradeço à Patrícia Faria, que me deu a oportunidade de expor os meus quadros no Centro Cultural Njinga Mbande, no Rangel. Foi um momento único, inédito para mim, porque naquela altura recebi a visita do vice-presidente da República. Nunca pensei que na minha vida iria expor alguma coisa e tivesse uma figura emblemática como aquela no meu trabalho. Mas isso é a arte. A arte consegue juntar todo o tipo de pessoas num lugar só, para poderem pensar juntos e andar juntos. Isso é muito gratificante. Nos últimos tempos sinto- -me um pouco desinspirada para pintar. Porque eu pinto quadros a cada dois meses ou a cada quatro meses. Aparece uma inspiração, eu pinto e deixo ali. De momento não sei. Se Deus quiser, hoje mesmo se vier alguma coisa na minha mente, eu pinto.
Quais são as disciplinas artísticas que mais pratica?
Acho que todas elas estão activas, mas a costura está mais activa neste momento, porque passo muito tempo na máquina a coser. Ainda não fiz um desfile de moda, mas acho que no momento exacto vai acontecer, porque eu trabalho muito com pano pintado, pano africano, e faço a mistura com pano ocidental. É um casamento muito bonito. Eu acredito que todas as artes estão ali. Mas uma sobressai num tempo, outra sobressai no outro tempo. É uma coisa muito agradável de se viver. Viver com a arte. Eu sou a pura arte, eu sou a própria arte.
E vive apenas da sua produção artística?
Sim. Além disso, eu sou empresária já há bastante tempo. Depois de concluir os estudos vi a necessidade de poder fazer alguma coisa. Naquela altura, não tinha muitos espectáculos, porque estava mais empenhada em estudar. E a minha formação levou mais ou menos seis, sete anos. Eu não tinha muitos espectáculos. Parecia que já sabia que haveria um tempo em que as coisas ficariam como estão hoje.
Como estão?
Hoje não há muitos espectáculos por aí. E muitos dos meus colegas sofrem por causa disso, porque não prepararam este tempo. Como eu tenho dito, o indivíduo que está no activo, que esquece que amanhã tem que ir para a reforma, você tem que prestar atenção neste homem, porque ele vai sofrer. Enquanto estiver no activo, a pessoa deve preparar este momento que há-de chegar em qualquer altura da vida, que é a reforma. Já preparei isso. Também trabalho com medicamentos e na fase do Covid-19 tivemos um prejuízo muito grande. Nós deitamos fora muitos fármacos e isso quase nos levou à falência.