
Filho de pais cabo-verdianos, José Lopes Semedo nasceu há 71 anos no município do Dande, província do Bengo, em Angola, no seio de uma uma família “muito pobre”, mas evoluiu graças à coragem e ao esforço individual que fez para estudar e trabalhar.
É, desde os 11 anos, um empreendedor e batalhador nato, com capacidade de identificar e capitalizar oportunidades. Além disso, é também um filantropo, cujas visão e perspicácia, combinadas com o seu espírito altruísta que o leva a ajudar os menos afortunados, o colocam entre os empresários mais respeitados e bem-sucedidos nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP).
Um dos primeiros juristas formados em Angola, o empresário participou no processo de negociação da paz para o país. Desempenhou a função de director de contratos de várias empresas públicas, fez parte do grupo que fundou os órgãos de justiça das Forças Armadas Angolanas (FAA), nomeadamente a Procuradoria-Geral das FAA e o Tribunal Militar, até que, em 1998, resolveu investir no sector da educação, começando com a criação do Colégio Gregório Semedo (CGS), uma instituição pré-escolar, primária e secundária, para dar sequência ao legado do seu pai, que era professor.
“O meu irmão mais velho estava a enfrentar uma dificuldade tremenda de emprego. Conversei com ele e disse-lhe que nós temos uma forte herança do velho. Que tal se criarmos um colégio? E ele disse-me: ‘José, não te preocupes, eu monto a estrutura toda, e você fica director da escola.’ Comprei a primeira casa na Maianga, e começámos com sete alunos. Os salários eram pagos do meu próprio bolso. Entretanto, o número foi crescendo para 70 e 100 alunos”, conta à Forbes África Lusófona
O empresário reconhece que teve apoio e colaboração de muitos professores, “porque alguns davam aulas sem receber salário”, esperando receber assim que a instituição começasse a ganhar alguma coisa.
“Assim, o projecto foi crescendo, e fui comprando umas casotas à volta da casa principal, destruíamos, criávamos mais outra parte, até que vi que a coisa estava a crescer e resolvi ir buscar ao BFA um financiamento de 1,2 milhões de dólares, para construir um colégio de raiz. Já tínhamos cerca de 500 alunos. Lembro-me de que hipotequei tudo o que tinha, o meu irmão não tinha nada. Fui lá pedir o financiamento, apresentei o projecto de um prédio de quatro pisos. Foi o primeiro edifício de raiz para uma instituição escolar. Infelizmente, deram-nos apenas um financiamento de 600 000 dólares, o que permitiu construir apenas dois pisos”, detalha, mas para tal teve de hipotecar a casa e alguns carros.
As obras arrancaram, e construíram dois pisos. Entretanto, diz que “era uma confusão”, já que teve de arrendar um outro espaço para pôr os alunos, a fim de chegar ao quarto piso. “Eu era o construtor, o projectista, o fiscal da obra e eles notavam que estávamos a conseguir. Deram-me o remanescente, e conseguimos construir o colégio, que já foi o segundo melhor de Luanda”.
José recorda que ao lado do colégio havia uma residência que seria comprada por um dos seus concorrentes, que queria instalar um instituto do ensino superior, mas o empresário refere que dialogou com os responsáveis, que, por sinal, eram provenientes da sua terra natal, no sentido de inviabilizar o processo. “Sensibilizámos os jovens. Disseram-me que estavam a vender a casa no valor de 300 mil dólares, sem desconto. Eu prometi comprá-la, tinha de conseguir esse dinheiro, não poderia deixar passar essa oportunidade. Fui ao banco novamente, convenci os homens do banco, fizeram um estudo de viabilidade, e comprámos. Hoje a casa está a servir o ensino primário. Era preciso ser ousado”, frisa.
No entanto, em 1996, na festa de fim de ano da instituição, os estudantes pediram a criação de uma universidade, por terem um forte vínculo com o colégio. Em 1998, olhando para essa solicitação, Semedo criou um instituto superior, mas recebia outras opiniões para transformá-lo em universidade, a julgar pela qualidade do projecto.
“Conversei com a família, porque era necessário mais dinheiro. Para resumir a história, acabámos por aceitar o desafio, alterámos o estatuto todo e pusemos um projecto universitário, denominado Gregório Semedo, em homenagem ao meu pai. O meu maior orgulho não é ter uma universidade ou um colégio. O meu maior orgulho foi ter posto o nome do meu pai na história da educação e do ensino do meu país”, enfatiza.
Tendo um historial positivo, uma vez que conseguiu efectuar o pagamento dos 1,2 milhões de dólares, sem entrar no vermelho, o empresário explica que, para avançar com o projecto de universidade, foi ao banco solicitar um novo financiamento de 30 milhões de dólares para ser desembolsado em tranches de acordo com a evolução do projecto.
“Começámos a matricular as pessoas. Logo no início, tínhamos quase 600 ou 700 alunos inscritos nas instalações, e o projecto teve grande adesão. Pusemo-nos a andar pela cidade à procura de instalações para dar aulas. Encontrámos umas instalações, mas, cerca de um mês antes do início das aulas, chamaram-nos e disseram-nos que não podiamos avançar. Saí de lá directo para a clínica. Nunca tinha sentido o coração bater daquela maneira, a tensão [arterial] a subir”, lembra o triste episódio.
Mas, pelo caminho, teve a ideia de partilhar a situação com os seus colaboradores, para não sofrer emocionalmente sozinho. Reuniu e explicou o que aconteceu. Como alternativa, os estudantes do período nocturno passaram a estudar no colégio, mas precisava de reparar rapidamente a outra casa adjacente ao colégio, já que no período da tarde o número de alunos não era tão elevado. “Afinal de contas, para grandes problemas, há grandes remédios. Partimos as paredes, chamei um sobrinho meu, que é um homem de todas as tarefas, o Ricardo. Disse-lhe que precisava de um empreiteiro. Pegámos num papel e desenhámos o projecto. Trabalhámos de manhã, à tarde, à noite e de madrugada. Num lapso, conseguimos adaptar aquela casa para receber aulas e começámos a funcionar”, detalha. Entretanto, havia um outro problema: a aprovação da universidade nunca mais saía, com os estudantes revoltados, porque diziam ter visto notícias que davam conta de que a instituição estava a funcionar na ilegalidade.
“O meu maior orgulho foi ter posto o nome do meu pai na história da educação e do ensino do meu país.”
Na altura, a universidade arrancou com os cursos de Direito, Engenharia Informática, Recursos Humanos e Gestão Comercial e Marketing. Mas, para evitar algumas situações, convocou todos os estudantes e informou-os sobre o que se estava a passar, incluindo o seu compromisso com o projecto, o que acalmou a classe académica. “Mas a verdade é que a aprovação oficial não saía, tínhamos uma declaração do então ministro da Educação e do Ensino Superior, António Burity da Silva, para começarmos a trabalhar provisoriamente. Eu disse ao senhor ministro que não nos dão financiamento porque não temos uma autorização oficial, e não nos dão uma autorização oficial porque não temos instalações.”
Sem cruzar os braços, Semedo regressou ao banco, explicou que eram detentores de uma declaração provisória da tutela, o que terá convencido a instituição bancária, que acabou por aprovar o financiamento, que foi disponibilizado parcialmente. “O projecto foi aprovado com a condição de as instalações serem erguidas em 18 meses. Foi um desafio complexo porque nós nem tínhamos terreno. Era um tempo muito curto, mas o facto de ter sido aprovado era um grande passo.
Decorria o ano 2004, e o empreendedor viu-se então numa corrida desenfreada contra o tempo, até que, por intermédio da sua esposa, acabou por encontrar e comprar, por 1,3 milhões de dólares, um terreno na zona do Morro Bento. Sem tempo para perder, contratou uma arquitecta brasileira e um grupo de pedreiros chineses para fazer as fundações, que trabalhavam 24/24 horas, numa empreitada que contou também com as mãos de profissionais angolanos, portugueses, cabo-verdianos e guineenses.
Em 2011, viajou à China com o seu projecto desenhado para comprar tudo aquilo que hoje existe no interior na universidade. Hoje, a Universidade Gregório Semedo conta com 9 cursos e com a Faculdade de Ciências Jurídicas e Políticas, a Faculdade de Engenharia e Novas Tecnologias, a Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais e a Faculdade de Ciências Sociais e Desenvolvimento Humano.
Ainda com foco na promoção do ensino superior em Angola, em 2012, criou o Instituto Superior Politécnico Gregório Semedo do Lubango e o Instituto Superior Politécnico Gregório Semedo do Namibe, num investimento inicial de 10 milhões de dólares em infra-estruturas.
José Semedo também foi coordenador dos grupos de trabalho para a elaboração das Leis sobre o Sistema Unificado de Justiça da República de Angola (SUJ – Justiça Comum e Justiça Militar) e coordenador adjunto do grupo de juristas para a análise das questões jurídicas do SEF (Programa de Saneamento Económico e Financeiro de Angola). Actualmente, desempenha a função de magno chanceler da Universidade Gregório Semedo, tendo como foco maior “manter a unidade, a coesão e a cooperação entre as instituições de educação” e, mais do que isso, “preservar os valores, princípios e regras de ordem moral, ética, cívica e humanista”.