
Processo-crime contra filha do ex-Presidente de Angola está finalmente no tribunal. "Demora pode alimentar a narrativa de que a justiça está a ser usada como instrumento político", segundo o analista José Gama.
O processo-crime contra Isabel dos Santos chegou finalmente a tribunal, devendo seguir para a fase de instrução contraditória a 22 de maio. A empresária angolana é acusada de vários crimes, por exemplo de peculato, burla qualificada, abuso de poder, abuso de confiança, falsificação de documentos, associação criminosa, participação económica em negócio, tráfico de influências, branqueamento de capitais, fraude fiscal e qualificada, crimes esses que envolvem a sua gestão na Sonangol.
Em entrevista à DW África, o jornalista angolano José Gama, licenciado em Relações internacionais, afirma que o sistema judicial tem o dever de garantir que os processos corram com razoável rapidez. "Neste caso", acrescenta, "a demora excessiva pode fragilizar estes princípios podendo ser interpretada como violação dos direitos de defesa e do- devido processo lega"”.
O também diretor do portal de notícias Club K é de opinião que a instrução contraditória já deveria ter ocorrido desde que o Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Gróz, fez o anúncio. O jornalista considera que "a demora pode alimentar a narrativa de que a justiça está a ser usada como instrumento político".
DW África: O processo-crime chegou finalmente a tribunal. Há quem diga que mesmo assim o facto de o processo ter chegado a tribunal é um sinal de que Angola afinal é um estado de Direito, e que o sistema de justiça em Angola funciona, apesar de pecar por ser moroso. Outros dizem que o processo está a demorar demasiado a sair. Qual a sua interpretação?
José Gama (JG): O sistema judicial tem o dever de garantir que os processos corram com razoável rapidez. Neste caso, a demora excessiva pode fragilizar estes princípios podendo ser interpretada como violação dos direitos de defesa e do devido processo legal. É também de dizer que a falta de cumprimento dos prazos processuais pode criar a perceção de insegurança jurídica, especialmente quando se está aqui a envolver um caso de uma figura pública e também de um processo mediático. Como resultado teremos aqui o enfraquecimento da credibilidade da justiça tanto no plano interno como no plano internacional.
DW África: As críticas dos advogados de Isabel dos Santos vão no mesmo sentido. O advogado Sérgio Raimundo, de Isabel dos Santos, alega que a instrução já deveria ter ocorrido há mais de um ano. Essa crítica tem algum cabimento?
JG: A instrução contraditória já deveria ter ocorrido desde que o Procurador-Geral [da República] fez o anúncio e a demora pode alimentar a narrativa de que a justiça está a ser usada como instrumento político.
DW África: Será que este processo é, de facto, um processo político mais do que um processo-crime?
JG: Isabel dos Santos, como filha do antigo Presidente [José Eduardo dos Santos] e figura que se constituiu numa espécie de oposição ao atual Executivo, tem alegado perseguição política. Portanto, a lentidão processual vai reforçar essa perceção mesmo que não seja o caso.
DW África: E no meio disto tudo, o que é que se pode dizer sobre o papel do Presidente João Lourenço?
JG: O Governo de João Lourenço construiu uma parte da sua legitimidade política sobre o combate à corrupção e um caso tão simbólico como o de Isabel dos Santos se conduzido com atrasos e falhas processuais e falta de transparência pode também minar a confiança da população e também da própria seriedade deste mesmo combate. E, por outro lado, Angola vai fazer 50 anos [de Independência] e a marcação da audiência pode ser lida como uma tentativa de usar o caso também como um trunfo político, o que pode levantar preocupações quanto à separação de poderes.
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DW África: O processo-crime contra Isabel dos Santos não é o único que envolve altas figuras ligadas ao regime do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Há outros processos que também se vão arrastando.
JG: temos também um outro caso de [Carlos] São Vicente, que há muito que já deveria sair porque já cumpriu metade da sentença e as autoridades não o libertam porque nos bastidores alega-se que estão a pedir a ele que devolva parte de dinheiros que ele tem na Suíça.