
A opinião comum diz-nos que há duas formas de escolher o próximo candidato do MPLA à Presidência da República. Em primeiro lugar, a realização de eleições primárias, em que todos os interessados a candidatura se apresentam para serem escolhidos pelas bases do partido. Em segundo lugar, a indicação do actual presidente do partido, que é sufragada pelos órgãos estatutários. Podemos dizer que a primeira fórmula é a preferida pela oposição interna a João Lourenço e a segunda a assumida oficialmente pela sua liderança.
Na verdade, a vontade de realização de eleições primárias ou de afirmação das várias tendências definidas e alternativas dentro do MPLA não é nova no partido, mas tem terminado em expulsões e mortes.
Lembramo-nos das revoltas de 1974, que assumiram uma função de dissidência e de busca de soluções diversas dentro do MPLA – aliás, no âmbito de uma tripla cisão que tinha começado em 1972. A mais conhecida é a Revolta Activa, liderada por Gentil Viana, Mário Pinto de Andrade, Adolfo Maria e Floribert Monimambo (comandante militar). A segunda é a rebelião militar do Leste, liderada pelos comandantes Katuva Mitue e Gibóia, que acabaram fuzilados. Essa rebelião passou a ser conhecida como a Revolta do Leste, mais tarde politicamente assumida por Daniel Chipenda – a pedido de Kenneth Kaunda, então presidente da Zâmbia.
Três anos mais tarde, uma nova tentativa de dissidência ou de alternância interna no MPLA levou aos massacres do 27 de Maio de 1977. A partir daí, houve sempre uma mão férrea, mesmo que forrada de veludo, que evitou ameaças ao poder arbitrário do presidente do MPLA. A história encarregou-se de proibir a dissidência interna, o pluralismo de ideias e a democracia interna.
Contudo, a realidade é sempre mais forte do que a determinação da vontade de quem quer que seja.
Na verdade, no MPLA, o que se vive, neste momento, é o temor de potenciais lideranças alternativas e a falta de visão para o futuro do país depois de 2027. A questão é que o presente sistema de poder instituído pelo MPLA caducou.
Não há movimentos de preparação de quaisquer primárias, e aguarda-se que João Lourenço indique o seu sucessor, o que não adianta muito. Espera-se sempre pelo último momento para se escolher as pessoas, mas, se tal pode ter resultado no passado, agora não há condições objectivas para tal compasso. A sociedade não aceita a rejeição do pluralismo das ideias e das agendas políticas capazes de formular uma visão comum para o bem de Angola.
Há um movimento de vários nomes perfilhados na corrida à sucessão, mas fingindo que não o estão e que essa corrida não existe. O facto, porém, é que a corrida está lançada, e cada um vai colocando as suas peças. São os livros publicados, as idas à televisão, o convívio com o povo, os discretos incrementos na participação nas redes sociais. Eles estão aí: os nomes de alguns dos possíveis candidatos a presidente do MPLA e, consequentemente, da República são publicamente referenciados: Adão de Almeida, Manuel Homem, Higino Carneiro, Fernando Dias dos Santos (Nandó), Mara Quiosa, Boavida Neto, entre outros. Vão colhendo apoios e/ou sofrendo ataques para os desacreditar; uns são mais activos do que outros. Uns trabalham no terreno, outros hesitam.
José Eduardo dos Santos indicou o seu sucessor de maneira incontestável. João Lourenço pode seguir o mesmo caminho, mas, devido às resistências internas no MPLA, derivadas da percepção da sua impopularidade eleitoral, possivelmente enfrentará grande contestação, tão logo esteja confirmada a sua saída por limite de mandatos. A dinâmica política é hoje muito diferente daquela que imperava há dez anos. A discussão abunda nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, as pessoas elevaram enormemente as expectativas.
A inquietação é grande.
O facto de se ter percebido que era possível, em parte, desmontar o sistema de poder estabelecido por José Eduardo dos Santos leva a maioria dos actores políticos a pensarem que o mesmo pode ser feito em relação a qualquer sistema de poder que João Lourenço tenha montado. Portanto, muito provavelmente, a sua figura não entra nos cálculos pós-2027.
São dois fenómenos. Primeiro, o papel formador da opinião pública que as redes sociais desempenham e as duas décadas de paz. Segundo, a percepção de que os sistemas de poder personalizados não são eternos, como se viu com José Eduardo dos Santos. Isso implica que, debaixo do secretismo e nos corredores discretos do poder, haja uma propensão muito maior para a conspiração e para os arranjos de bastidores.
Neste momento, muitos dirigentes do MPLA podem ser candidatos a Presidente da República. A curiosidade é se, tal como nos conclaves papais, vai sair um candidato totalmente inesperado, confirmando o tal dito “entram papas, saem cardeais”. João Lourenço surpreendeu quando escolheu Esperança Costa para sua vice-presidente da República e Mara Quiosa para sua vice-presidente do MPLA. Ninguém contava. Pode ser que, desta vez, o MPLA ou algum movimento externo às estruturas formais do partido surpreenda Lourenço, ou que a situação permaneça inalterada, ou que se agrave ainda mais para o povo angolano. Veremos…